sábado, 11 de outubro de 2014

Poema publicado nos "Cadernos de Serrúbia" - Fundação Eugénio de Andrade

Uma criança continua a seguir-te,
Ainda não te perdeste dela.
Às vezes, pensas que se afogou na idade, 
Mas ela volta, primavera maldita, 
É uma ferida recidiva aberta,
Uma fertilidade dolorosa
No seio da terra putrescente,
Fatigada, quase extinta.
Ela volta, insónia ou incêndio,
Atira-te de longe o teu nome
Na alcunha mais malévola,
Onde a tua imagem é insuportável,
Atira-te o teu nome
Como uma pedrada.
E dói. E ela atira outra e mais outra:
Saem-te pelos olhos estilhaçados.
Não lhes chames lágrimas – não são:
São pedras, de uma outra dor.
Sabes que envelheceste porque ela volta mais vezes.
A criança nunca fala. Só atira pedras.
Outros lhe chamem o que quiserem –
Para ti, são pedras.



Nuno Rocha Morais

1 comentário:

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